segunda-feira, 16 de setembro de 2013

Mercado Municipal de Pouso Alegre: o cotidiano na cidade


* Projeto aprovado pela Lei Municipal de Incentivo à Cultura de Pouso Alegre/MG - Edital 02/2013.

Apoio
Prefeitura Municipal de Pouso Alegre – PMPA
Secretaria Municipal de Cultura e Turismo – SECULT 
Lei Municipal de Incentivo à Cultura – LMIC

Agradecimentos
Corpus - Medicina por Imagens
Marco Zero – Construção Indústria e Comércio Ltda

Sinopse do livro
Este livro tem o intuito de refletir o movimento citadino, frente às demolições e reformas ocorridas no prédio do Mercado Municipal de Pouso Alegre no período de 1893 a 2004.  Para isso levamos em conta as transformações que ocorreram desde a presença de um comércio informal à construção de um espaço institucionalizado na cidade. Procuramos discorrer sobre as mudanças urbanísticas e os conflitos sociais em torno desse espaço público, possibilitando, assim, uma nova abordagem historiográfica da cidade.

A partir dos pressupostos da História Social, discutimos o uso da memória buscando a compreensão do passado para nos guiar no entendimento do presente. Debruçamo-nos na análise das fontes como atas de aquisição do terreno, jornais da cidade, livros de memorialistas, documentos oficiais, fotografias para ajudar na investigação histórica.

As documentações escritas e imagéticas possibilitaram a compreensão dos fatos cotidianos ao redor do Mercado, que muitas vezes passaram e passam despercebidos ou silenciados na história local, como disputas políticas, utilizadas para demarcar o espaço. Além disso, retratamos os (re) significados das mudanças neste local e as alterações nos aspectos físicos, sociais e culturais do prédio.

Na medida em que os ideais do progresso vão ganhando força, faz-se necessária uma organização urbana dando ordem ao meio público de acordo com as necessidades daqueles que a administram. Entendemos que a cidade é tratada como um lugar de vida capitalista. Os periódicos reforçam a necessidade do progresso e da civilização pautados primeiramente nos ideais higienistas, e com o passar do tempo, voltam-se para um olhar econômico e turístico.

As discussões historiográficas sobre urbanização e relações sociais ganham impulso com as novas abordagens da História Nova. Compreendemos a cidade como um espaço vivo, que se movimenta e se modifica. Assim, os espaços são pensados “como diferentes espécies que sofreram mutações, readaptando-se às novas condições ou desaparecendo. As cidades, como organismos, carregaram características que foram fundamentais a mudanças ambientais posteriores” [i]. A cidade é compreendida como produto de mudanças feitas pelo ser humano, tomando as mais diversas formas de acordo com os padrões de cada época.

O espaço da cidade pode ser entendido como um lugar em que os sujeitos e interesses plurais, públicos ou privados, coexistem, no qual as histórias são marcadas pela provisoriedade e pelos deslocamentos contínuos de sentidos, intrínsecos à modernidade capitalista[ii], lugar marcado pela guerra de símbolos[iii] que se trava entre diferentes classes sociais. Nessa perspectiva, as práticas em torno dela trazem consigo toda uma rede de representações, de memórias que se entrelaçam construindo o saber e a visão de mundo que envolvem os diferentes sujeitos. 

A História precisa ser entendida como conjunto de experiências humanas. Ao se fazer um estudo dos grupos sociais “consideram-se os significados das práticas coletivas de acordo com as ações dos sujeitos sociais e das convenções instituídas pelas comunidades”.[iv] Passamos, então, a observar a cidade de Pouso Alegre através de suas mudanças significativas para a história local, sendo observada diferentemente das abordagens memorialísticas, como objetos de reflexão e crítica. Buscamos compreender o que a história oficial não nos apresenta.

Localizada no Sul de Minas Gerais, Pouso Alegre é uma cidade que cresce acentuadamente, desde a década de 70, pela instalação de diversas empresas. Percebemos assim uma grande presença de moradores de outras localidades que habitam o espaço urbano, vindo em busca de emprego ou à procura de outras maneiras de viver.

A formação do povoado se dá em fins do século XVIII, servindo a princípio como lugar de descanso de bandeirantes ou aventureiros que avançavam em suas rotas em busca do ouro nas minas das gerais. A base econômica do povoado durante muitos anos foi a produção agrícola. No Almanaque Sul-Mineiro tomamos conhecimento do que era produzido no município nos tempos imperiais: “canna, fumo, algodão, e café. Exporta-se muito polvilho, porcos e gado. Planta-se desde longos annos chá, que é exportado para a corte” (...) [v].

Além das práticas de exportação, ressaltamos a presença de um comércio informal dentro da cidade. Através dos registros do legislativo, podemos afirmar que, inicialmente, a atividade comercial era feita nas ruas da cidade, pelos chamados carreiros – tropeiros que levavam os produtos básicos à população. Em sessão extraordinária da Câmara Municipal de Pouso Alegre, de 21 de dezembro de 1859, é autorizado o início dos trabalhos na Praça do Mercado um “lugar de enorme concorrência aos domingos. O edifício em que ella funcciona é por demais modesto e trata-se da construcção de outro”[vi].

Não temos conhecimento de registros fotográficos da época do primeiro prédio do Mercado. Os documentos apenas apresentam-no como uma casa simples em uma praça atrás da Igreja Matriz, onde se realizavam as práticas comerciais, apenas aos domingos. A casa possuía lugar para abrigar os carreiros que vinham de longe com seus produtos, os campesinos pagavam uma taxa para sua permanência. Aqueles que faziam o comércio nas ruas da cidade não poderiam vender os mesmos gêneros disponíveis na Praça do Mercado.

A necessidade de se ter um espaço próprio e maior surge durante o tempo, justamente pelo fato de o mercado possuir um comércio ativo na cidade e atender a população dos distritos de Congonhal, Estiva e Borda da Mata, que nesta época faziam parte da territorialidade de Pouso Alegre.

Em 1893, a municipalidade adquire o terreno que pertencia à Matriz e constrói um prédio mais amplo e aberto para que os produtores pudessem expor os gêneros a serem vendidos. O Mercado Municipal de Pouso Alegre sempre foi um lugar de encontros e sociabilidades. A princípio funcionava apenas aos fins de semana, atendendo a população local com a venda dos gêneros de primeira necessidade. Atualmente, é tido como um espaço turistificado, onde as pessoas, além de encontrar variedades em frutas e hortaliças, cereais e temperos, carnes, destilados, fumo de corda, artesanatos e produtos religiosos de umbanda, podem degustar destilados ou até mesmo tomar uma cerveja e comer um tira-gosto nos diversos barzinhos, lanchonetes e restaurantes em seu interior.

Segundo informações da ACOMCEPA (Associação dos Comerciantes do Mercado Central de Pouso Alegre), “são realizadas 340 compras por hora e 2.720 ao mês, passando por aquele espaço 3.016 pessoas por dia e 76.800 pessoas por mês, sendo 42% mulheres, 30% homens e 28% jovens” [vii], no ano de 2011.

Tido como um espaço público da cidade, o mercado se torna, mesmo não sendo oficialmente, um patrimônio cultural do município, por fazer parte das muitas memórias e das disputas que circundam ou participaram daquele espaço. “O patrimônio cultural materializa e torna visível o sentimento evocado pela cultura e pela memória, e, assim, permite a construção das identidades, fortalecendo os elementos das origens comuns” [viii].

Na perspectiva da presença de diversos sujeitos em um mesmo espaço, compreendemos que o patrimônio não é algo obsoleto, vindo de um passado remoto, mas sim, espaço de memória, de conflitos.

Devemos ter em mente “garantir a compreensão de nossa memória social preservando o que for significativo dentro de nosso vasto repertório de elementos componentes do Patrimônio Cultural. Essa a justificativa do por que preservar” [ix].

Esses espaços podem ser denominados como “lugares de memória”, nos quais se constitui a formação identitária de uma sociedade. Pierre Nora nos chama atenção sobre a busca pelos referidos lugares em que se preserva a memória, principalmente, no momento em que vivemos, pois uma série de novas informações é produzida a cada instante.

Percebemos a necessidade da preservação da memória como forma de reconstituição de si mesma, uma memória viva e dinâmica, expressa nos comportamentos humanos, na constituição de grupos e de uma sociedade. Pierre Nora enfatiza os lugares da memória como “restos” que procuram testemunhar outra era. Tais lugares, contudo, (...) nascem e vivem do sentimento que não há memória espontânea, que é preciso criar arquivos, que é preciso manter aniversários, organizar celebrações, pronunciar elogios fúnebres, notariar atas, por que essas operações não são naturais[x]. Notamos que os lugares da memória estão ligados a uma ritualização, ou seja, uma rede simbólica que os permeiam, permitindo que cada um realize o exercício de relembrar, concebendo assim a história como um exercício que aglutina passado, presente e futuro.

No campo da memória, percebemos um grande desafio perante a conservação, podemos assim dizer, uma grande luta de sobrevivência. A tradição é de suma importância para a preservação da identidade de um grupo social, suas práticas e realizações. Sendo assim, a memória procura salvar o passado para servir o presente e o futuro, de forma que a memória coletiva sirva para a libertação e não para a servidão dos homens[xi].

Nesta perspectiva histórica, dividimos o livro em três capítulos. No primeiro capítulo, intitulado Máscaras republicanas na urbanidade rural - buscamos compreender uma cidade controlada pelos políticos e pela elite que passam uma falsa imagem de progresso, procurando propagá-la nos jornais e nos cartões-postais, fazendo com que ela se torne aos olhos dominantes um paraíso das repúblicas, da ordem e do progresso. Nessa direção, o comércio informal será prejudicado pelas leis instituídas pelos políticos favoráveis aos comerciantes que possuem estabelecimentos fixos, fazendo desses espaços campos conflitantes. O Mercado se tornará um prédio institucionalizado, os ambulantes que vendiam produtos pelas ruas da cidade foram afastados do centro. A ordenação do espaço é cada vez mais enfatizada pelos diferentes discursos políticos.

No segundo capítulo, Novas práticas sociais: tensões na cidade - analisamos os discursos higienistas presentes na imprensa e nos discursos dos políticos locais. Os discursos reproduziam que os espaços públicos clamavam por uma melhor visibilidade, e as críticas da imprensa serão direcionadas ao mau aspecto em que se encontram os prédios públicos. A cidade aos poucos é pautada na máxima do paraíso desenvolvimentista do regime ditatorial, o centro vai se modificando, as grandes construções são prioridades para o país. Com esse espírito, mais uma vez, o prédio do Mercado é reformado e, consequentemente, inaugurado como uma obra modelo, funcional e modelar, alterando a rotina dos trabalhadores e frequentadores do local.

Por fim, indagamos no terceiro capítulo intitulado Vitrine do progresso: marcas políticas em disputa, a cidade que cresce rapidamente, com a vinda de indústrias e novas tecnologias. Há um aumento populacional significativo, transformando assim as dinâmicas do município. O Mercado Municipal passa por outra reforma, chamando a atenção de turistas e dos moradores que passam diariamente pela região. Com isso, as práticas culturais acabam sendo sufocadas em virtude de outros investimentos e interesses políticos, sendo que algumas ainda mantêm-se vivas em resistência às novas tendências do comércio.


Notas

[i]POSSAMAI, Zita Rosane. Metáforas visuais da cidadeRevista Urbana, ano 2, n. 2, CIEC, Campinas: UNICAMP, 2007, p. 2.
[ii]BENJAMIN, Walter. Paris do segundo Império - A boêmia; Flâuner; A modernidade, 1ª ed. São Paulo: Brasiliense, 1989, p. 125.
[iii]DEBORD, Guy. A sociedade do espetáculo. Trad. Estela dos Santos Abreu. RJ: Contraponto, 1997, p. 84.
[iv]CHARTIER, Roger. À beira da falésia: a história entre incertezas e inquietudes. Porto Alegre: Editora     UFRS, 2002, p.123.
[v]VEIGA, Bernardo Saturnino da. Almanack Sul-Mineiro para 1884. Tipographya do Monitor Sul Mineiro, Campanha da Princeza, MG, 1884, p. 371.
[vi]Idem, p. 370.
[vii]Jornal Diário, Pouso Alegre, 14 de Julho de 2011, Ano VIII, n° 1387, p. 05.
[viii]Idem, p. 16.
[ix]LEMOS, Carlos A.C. O que é patrimônio histórico. São Paulo: Editora Brasiliense, 2006, p. 29.
[x]Idem.
[xi]LE GOFF, Jacques. História e Memória. Campinas: UNICAMP, 1996, p. 477