segunda-feira, 17 de outubro de 2011

As capas desta história

Dos panfletos revolucionários aos folhetins irreverentes, de Marighella a Lula, o livro "As capas desta história reúne mais de 300 imagens de jornais alternativos, clandestinos e produzidos no exílio entre 1964, ano do golpe, e 1979, quando foi aprovada a Lei da Anistia

"Correio Braziliense", considerado o primeiro jornal da imprensa brasileira era feito em Londres, onde vivia seu  editor, Hipólito José da Costa; em 1808, era distribuído de forma clandestina para escapar da censura da corte portuguesa

O "Jornal do Subiroff" foi criado em 1920 por Nereu  Rangel Pestana, filho de Nestor Pestana, diretor de redação de o "Estado de São Paulo. Nereu aproveitou a boataria sobre a Revolução Russa de 1917 e inventou um personagem, "Ivan Subiroff", um grande soviético em terras brasileiras. Nereu conseguiu com a proeza de fazer um jornal com artigos sérios, e cujo personagem principal simplesmente não existia

"O Pasquim" foi talvez o mais famoso veículo de imprensa alternativa irreverente. em novembro de 1970, agentes do DOI-Codi invadiram a redação e prenderam a equipe. A edição saiu assim mesmo com a ajuda de jornalistas, escritores e artistas. Na confusão, a data acabou saindo errada no cabeçalho. Durante oito semanas, a mobilização para manter o jornal nas bancas afirmou-se como um ato de resistência. "O Pasquim" teve vida longa e sobreviveu à censura prévia e à desordem administrativa. Permaneceu em circulação até 1991

"Movimento" nasceu em 1975. Ao sair de "Opinião",  a equipe liderada por Raimundo Pereira decidiu produzir um jornal sem patrão empresário. Inovou por ter um programa explícito em defesa de uma frente de oposição à ditadura e de uma Assembleia Constituinte. Cobriu o movimento popular, as greves, o surgimento da liderança de Lula. Sobreviveu a divergências políticas e à precariedade financeira

"Ex", lançado em 1973, é criação de Sérgio de Souza e Narciso Kalili, com a colaboração de Paulo Patarra, Hamilton de Almeida Filho (Haf), Mylton Severiano da Silva, Décio Nitrini e outros. Sérgio e Narciso conheceram-se na Revista Realidade, militaram juntos na AP (Ação Popular) e ligaram-se ao psicanalista Roberto Freire. O jornal trazia todos os meses 40 páginas de reportagem contundentes e críticas. Em 1975, os 50 mil exemplares da edição sobre o assassinato de Vladimir Herzog esgotaram-se. A segunda tiragem foi apreendida pela polícia

"Repórter" surge em 1977 com uma missão específica:  levar o tema dos direitos humanos aos trabalhadores da Baixada Fluminense. Na busca pela linguagem das ruas, o jornal agride, provoca, resvala no sensacionalismo e na escatologia. Narra um cotidiano de violência e miséria. No auge, chega a vender 100 mil exemplares. Acuado pelo regime, perseguido pela polícia e pela extrema direita, o jornal dirigido por Luiz Alberto Bettencourt e Alex Solnik muda a linha e perde o rumo

Com "Poratim", de 1978, a questão indígena  ganha destaque entre os alternativos, num período de muita tensão, provocada pela expansão acelerada da fronteira agrícola brasileira. O jornal foi criado pelo Cimi (Conselho Indigenista Missionário) fundado pelo bispo  dom Tomás Balduino. Circulou inicialmente como boletim mimeografado, publicado em Manaus. A partir de junho de 1979, ampliou sua distribuição e adotou formato tabloide, que mantém até hoje 

"Tribuna Metalúrgica" foi lançado em 1971 pelo Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo e Diadema. Com a retomada do sindicalismo combativo na campanha salarial de 1977, o jornal passou a desempenhar um papel importante na mobilização dos trabalhadores do ABC. Tinha como diretor Luiz Inácio da Silva, que ainda não assinava Lula, como se vê logo abaixo do nome do jornal. Nas greves de 1978 e 1979, chegou a rodar todos os dias. Nos períodos de intervenção no sindicato, era distribuído clandestinamente  nas fábricas, sempre estampando as mensagens de João Ferrador, o personagem-símbolo da categoria, concebido pelo jornalista Félix Nunes  

"Tição" expressa a reorganização das comunidades afrodescendentes e a retomada das lutas contra a discriminação. em 1978, quando o jornal foi lançado, representantes de vários núcleos formados ao longo dos anos 70 uniram-se para criar o Movimento Negro  Unificado, que teve atuação política destacada na década seguinte. O jornal, dirigido por Vera Daisy Barcelos, reuniu militantes de esquerda e ativistas do Rio Grande do Sul empenhados em demolir o mito da democracia racial, tão caro à ditadura

O jornal "Política Operária" passou por três fases desde 1961, quando foi lançado. Até o golpe militar era publicado pela Polop, organização criada por intelectuais e militantes que divergiam do PCB. Na segunda fase, depois do golpe, foi relançado  pelo POC ( Partido Operário Comunista) para intervir no debate sobre a luta armada contra a ditadura. Voltou a circular nos anos 70, após a rearticulação da Polop. Na capa, a denúncia do assassinato do jornalista Luiz Eduardo da Rocha Merlino

"Palmares" põe em cena outra vertente das organizações armadas. Logo  depois do golpe, já sob a inspiração da teoria do foco guerrilheiro, dissidências da Polop unem-se a militares contrários ao regime e tentam partir para a ação. Nascem nesse processo agrupamentos como Colina (Comando de Libertação Nacional) e VPR (Vanguarda Popular Revolucionária), que se unem em 1969 para formar a VAR-Palmares (Vanguarda Revolucionária - Palmares) sob a liderança de Carlos Lamarca. O jornal da organização circulava apenas entre os militantes

"Unidade e Luta" surge em 1972, num momento delicado para ALN (Aliança Libertadora Nacional ). As prisões em massa e o assassinato de líderes importantes, como Carlos Marighella e Joaquim Câmara Ferreira, acendem a luz vermelha para parte da militância, que se agrupa na TL (Tendência Leninista) e exige um debate sobre os rumos da organização. Nas cinco edições da revista, a TL defende às ideias originais de 1967, que não concebiam a violência revolucionária  desassociada dos movimentos populares, como acabou acontecendo

Produzido por exilados do PCB no Chile, o "Brasil Hoy" saiu com a líder comunista Angela Davis na capa para demonstrar  que a luta contra a ditadura chegara ao que se chamava  de coração do imperialismo, referindo-se aos Estados Unidos. Nos anos 70, uma ampla rede de ativistas acadêmicos e intelectuais norte-americanos teve participação importante nas denúncias sobre a repressão no Brasil e o engajamento do governo dos EUA na violação dos direitos humanos na América Latina

A força do boletim "Frente Brasileira de Informação" residia no seu caráter de frente ampla, reunindo várias organizações oposicionistas. Mas com o tempo, as divergências passaram a minar o projeto de Miguel Arraes. As tensões eram fortes principalmente no Chile. Os agrupamentos mais à esquerda criticavam duramente o tom informativo predominante, exigindo debates e posicionamentos mais incisivos a respeito dos caminhos a serem seguidos pelas oposições no exílio. Contestado, o FBI deixa de circular em 1974


Fonte: UOL Notícias -  25 de outubro de 2011