Cada vez mais o
interesse pelo estudo dos processos pelos quais a cidade se estrutura enquanto
lugar de sociabilidade e construção de identidades vem ganhando terreno nas
mais diversas áreas do conhecimento. E essa pluralidade de observações sobre a
cidade é o que nos apresentam Alexandre
Carvalho de Andrade e Ana Eugênia
Nunes de Andrade, nessa coletânea que reúne textos de autores que pensam a
cidade a partir de diferentes perspectivas teóricas mas tendo como ponto de
encontro a forma como tomam a cidade na sua materialidade constitutiva. Esse,
aliás, é um ponto fundamental para o entendimento da cidade no seu duplo
funcionamento: enquanto espaço físico e também de relações entre sujeitos, que
são afetados pelo seu entorno e pela história.
A leitura dos textos aqui reunidos permite uma ampla compreensão de como se articulam elementos históricos, sociais, políticos e discursivos na constituição do espaço citadino. São excelentes exemplares de estudos e reflexões que têm na geografia, na história e na linguagem seus campos de análise.
No primeiro texto, intitulado “O relevo e o
processo urbano: uma discussão acerca das relações homem x natureza nas cidades
pela óptica da geomorfologia”, Roberto Marques Neto coloca em cheque,
através da demonstração de casos de cidades brasileiras, a relação entre o
relevo natural e a ocupação urbana, propondo-se questionar sobre a ideia
comumente aceita de que a urbanização é sempre depreciativa.
Thomaz Alvisi de Oliveira promove uma
discussão sobre os aspectos da paisagem urbana de
Poços de Caldas, no sul do estado de Minas Gerais, levando em conta seu
contexto físico e propõe aos trabalhos do planejamento urbano a consideração de
métodos sistêmicos de análise da paisagem que levem em conta o funcionamento da
paisagem, em “Ótica geográfica orientada à análise da paisagem
urbana de Poços de Caldas (MG): expressão e funcionamento”.
Juliano Hiroshi Ikeda Ishimura e Juliana Donella de Lima apresentam
questões à cerca da dinâmica do espaço do Horto Florestal em Pouso Alegre, MG,
em função de sua criação, transformações e usos, que têm estreita relação com o
ideário de “preservação e conscientização ambiental”, no texto “Parque
Zoobotânico de Pouso Alegre (MG): cultura, educação e lazer”.
A cidade de
Parintins, no Amazonas, é o foco do estudo de Estevan Bartoli, em
“Morfologia urbana da cidade de
Parintins (AM): espaços periurbanos, cidade difusa e loteamentos recentes”. O
autor, identificando elementos e processos que influenciaram na constituição da
cidade, adentra no terreno da morfologia urbana para refletir sobre os
elementos que corroboram para a fragmentação e alteração da paisagem.
Em “Processos históricos de expansão urbana na
região sul da cidade de Pouso Alegre (MG)”, Diego Garcia de Carvalho e Alexandre Carvalho de Andrade,
através do levantamento e análise de fontes históricas, trabalhos de campo e
produtos cartográficos, realizam um cuidadoso estudo sobre o processo
histórico de ocupação urbana na região Sul da cidade de Pouso Alegre, MG, que
em muito contribui para ao entendimento da forma como se estruturou aquela
região da cidade.
Tendo como referencial teórico a Análise de
Discurso, Greciely Cristina da Costa propõe a compreensão dos processos
pelos quais os sujeitos, na relação com o espaço político-simbólico, são
afetados nos seus modos de individuação, pelo efeito de metominização que
consolida o estereótipo de favela e favelado, no texto “Discurso, Cidade e
História: metonimização entre favela e favelado e seus efeitos”.
Também através da Análise de Discurso, André
Silva Barbosa busca explicitar a forma como o Bairro São Geraldo, da cidade
de Pouso Alegre, MG, significa pelos discursos circulantes, em “O real da
cidade é como um câncer para o coração urbano”. Neste texto, o autor analisa a
forma como o imaginário urbano se sobrepõe ao real da cidade, construindo
lugares de centro e periferia.
Tatiana da Rocha
Barbosa constrói uma reflexão sobre o processo de ocupação
urbana de Manaus, AM, em “Planejamento
popular nas ocupações urbanas da cidade de Manaus – AM” e destaca como a
apropriação das áreas urbanas são planejadas em função das expectativas de que
futuras ações estatais ponham em prática o planejamento elaborado no início da
ocupação.
Em “A cidade de São Paulo como palco de lutas:
o teatro e suas contribuições na construção de espaços mais democráticos”, Gabriela Bortolozzo desenvolve o pensamento a respeito da capital paulista como uma cidade
realizada por atores sociais preocupados com as condições de vida da população
de baixa renda e segue demonstrando como isso se deu no ambiente do teatro,
através de trabalhos que reúnem interesses das classes trabalhadoras.
A história do Teatro Municipal de Pouso Alegre, MG, construída através
dos discursos da imprensa local, é o que nos trazem Fernando Henrique do Vale e Ana
Eugênia Nunes de Andrade em “Memórias
do Teatro Municipal de Pouso Alegre (MG): campo de disputas políticas
(1950-1980)”. Os autores trazem, no texto, uma rica discussão sobre os
conflitos e disputas da elite cultural e política local em torno deste espaço.
Sustentabilidade urbana e regional é o foco do
trabalho de Helena Mendonça Farias em “Valorização de aspectos culturais
e ambientais na busca da sustentabilidade urbana: Considerações sobre movimento
cittá slow”, que tem no movimento “Slow Cities” a base para a análise e compreensão de dimensões da sustentabilidade,
tais como a ambiental, social, econômica, territorial e política.
Juliano de Melo
Gregório analisa a perda gradativa da identidade
tradicional e os novos significados adquiridos pelas práticas culturais
campesinas na cidade de Pouso Alegre, MG, em função das indústrias de grande
porte que lá foram se instalando a partir da década de 1970, no texto “Comer, rezar e cantar: práticas e
representações culturais de trabalhadores rurais de Pouso Alegre-MG”.
Em “Dinâmicas na cidade: a festa nordestina
como forma de sociabilidade e resistência”, Andrea Silva Domingues e Bárbara Cristine Casallechi
Fonseca Simões refletem sobre a construção do processo identitário dos
nordestinos na cidade de Pouso Alegre, MG, através de relatos de histórias de
vida, procurando destacar o hibridismo presente nas formas de apropriação da
cultura mineira.
Elizabete Maria
Espíndola e João
Marcos Alexandre propõem a compreensão dos modos como se deram, no século
XIX, as mudanças em cidades pequenas do interior causadas pelo grande
contingente de imigrantes e processo de industrialização no país. Para isso, em
“Histórias, Memórias e Resistências na
construção de um espaço pelos trabalhadores rurais nas décadas de 70 e 80 na
cidade de Bueno Brandão (MG)”, analisam as experiências de trabalhadores da
cidade de Bueno Brandão, no sul de Minas Gerais.
O emprego das fotografias no processo de
reconstrução da história da cidade e seus espaços públicos é o que nos trazem José
Roberto Gonçalves e Wilker Cardoso Rodrigues, em “A fotografia como
registro das transformações da paisagem urbana de Pouso Alegre (MG)”,
ressaltando a importância da fotografia como fonte de informação para a
pesquisa histórica.
Um excelente exemplar de como podemos pensar o espaço urbano como lugar
de manifestação de vida, condição, meio e produto das relações sociais é o
texto “Do planejamento urbano normativo
ao estratégico. A cidade de Santos (SP) tornada mercadoria”, de Felipe Comitre e Silvia Aparecida Guarnieri Ortigoza, no qual atentam para o fato de
que novas formas de governança vão conferindo ao espaço novas formas de
produção, consumo e reprodução das relações sociais.
A forma como as políticas de
higienização/embelezamento urbano das cidades se articulam com o ideal do
progresso é a questão central de Ana Eugênia Nunes de Andrade e Juliana
Coutinho Martines, em “Do apogeu à demolição: Cadeia Pública Estadual de
Pouso Alegre (MG)”, texto no qual as autoras analisam o apagamento dos
conflitos gerados a partir das demolições de construções que impediam o
alargamento da principal avenida da cidade de Pouso Alegre, MG.
André Silva Barbosa e Alexandre Carvalho de Andrade, no texto
“Problema de quem? Populações de rua em Pouso Alegre (MG)” promovem uma rica
reflexão sobre a relação conflituosa entre as populações de rua, tomadas, de um
lado, como aquelas compostas por sujeitos em desacordo com as práticas ideais
estabelecidas, e, de outro lado, as instituições, tanto públicas quanto
privadas, que trabalham no sentido de manter as relações de produção
capitalistas.
Um olhar atento e minucioso em direção aos
catadores de rua da cidade de Santo André, SP, procurando problematizar seus
modos de existência e suas estratégias de lutas a partir da forma como são
referenciados, é o que nos traz José Amilton de Souza, em “A arte de
dizer e de territorializar a cidade”.
Alexandre Carvalho de Andrade e Miller Augusto Costa Araújo fazem em “Cachoeira de Minas, uma
pequena cidade no contexto regional” um detalhado relato das transformações
urbanas ocorridas na cidade de Cachoeira de Minas, MG, a partir dos anos 70 do
século vinte, pensando espaço e sociedade como elementos que se transformam.
Em “A atuação das empresas de transporte
intermunicipal de passageiros no estado de São Paulo sob uma perspectiva
geográfica”, Enéas Rente Ferreira e Vinícius Polzin Druciaki partem da observação de que a constituição
de territórios econômicos se dá a partir da constituição de espaços por
relações de poder, onde tem especial relevância o transporte intermunicipal de
passageiros. Dentro disso, propõem uma discussão sobre a relação “Estado x
Empresas”, com foco nos processos de expansão da iniciativa privada.
Tendo como tema central a antiga Estação
Ferroviária de Pouso Alegre, MG, Ana Eugênia Nunes de Andrade e Daniel
Aparecido da Costa, partem para a compreensão dos processos de (re)
significação do espaço público, no texto intitulado “Os diferentes usos da
Estação Ferroviária de Pouso Alegre/MG”. Para os autores, há sempre um trabalho
de reorganização dos sentidos em função dos conflitos, da ideologia e da
resistência frente às práticas políticas.
Em “A cidade de Santa Rita do Sapucaí (MG) e
suas relações de poder”, Diego Miranda Natali apresenta-nos, através de
um extenso trabalho historiográfico, os modos como ações de caráter político/ideológico
no espaço urbano determinam e legitimam o fortalecimento de uma elite numa
pequena cidade.
O
entrelaçamento entre a história de vida de Luzia Rennó Moreira e a construção
de uma memória em torno do personagem “Sinhá Moreira”, produz em “Sinhá Moreira: feminismo e influência política
em Santa Rita do Sapucaí (MG)”, de Juliano Hiroshi Ikeda Ishimura e Cleide Aparecida Alvim Martins, um belo
caminho para a compreensão de como a institucionalização de personalidades se
dá através dos acontecimentos e dizeres que vêm pela história.
No último
texto, intitulado “Conta dentro de seus
muros 69 fogos, e no seu districto para mais de 540 fogos: a construção de uma memória sobre a cidade
de Conceição dos Ouros (MG)”, Viviane Tamiris Pereira e Elizabete
Maria Espindola dissertam sobre a história da cidade de Conceição dos
Ouros, MG, tendo como referência a historia da família Motta Paes que, pela
análise das autoras, corrobora para o processo de construção de referenciais
identitários para a cidade.
O percurso de
leitura permitido por todas as reflexões sobre a cidade e o espaço público aqui
apresentadas e que passam por diferentes campos teóricos, certamente
possibilita ao leitor um exame de como podemos compreender os modos de
constituição e legitimação dos ambientes citadinos. Para mim, como pesquisador
interessado também nos processos pelos quais se estruturam discursos sobre a
cidade e os sujeitos que nelas se relacionam, considero um excelente trabalho
de organização que em muito poderá auxiliar interessados e pesquisadores de
diferentes áreas, sobretudo aqueles que procuram compreender as condições
materiais de produção dos ambientes nos quais vivemos.
Prof.
Guilherme Carrozza
Univás