quarta-feira, 21 de agosto de 2013

Cidades em movimento



Cada vez mais o interesse pelo estudo dos processos pelos quais a cidade se estrutura enquanto lugar de sociabilidade e construção de identidades vem ganhando terreno nas mais diversas áreas do conhecimento. E essa pluralidade de observações sobre a cidade é o que nos apresentam Alexandre Carvalho de Andrade e Ana Eugênia Nunes de Andrade, nessa coletânea que reúne textos de autores que pensam a cidade a partir de diferentes perspectivas teóricas mas tendo como ponto de encontro a forma como tomam a cidade na sua materialidade constitutiva. Esse, aliás, é um ponto fundamental para o entendimento da cidade no seu duplo funcionamento: enquanto espaço físico e também de relações entre sujeitos, que são afetados pelo seu entorno e pela história.

A leitura dos textos aqui reunidos permite uma ampla compreensão de como se articulam elementos históricos, sociais, políticos e discursivos na constituição do espaço citadino. São excelentes exemplares de estudos e reflexões que têm na geografia, na história e na linguagem seus campos de análise.

No primeiro texto, intitulado “O relevo e o processo urbano: uma discussão acerca das relações homem x natureza nas cidades pela óptica da geomorfologia”, Roberto Marques Neto coloca em cheque, através da demonstração de casos de cidades brasileiras, a relação entre o relevo natural e a ocupação urbana, propondo-se questionar sobre a ideia comumente aceita de que a urbanização é sempre depreciativa.

Thomaz Alvisi de Oliveira promove uma discussão sobre os aspectos da paisagem urbana de Poços de Caldas, no sul do estado de Minas Gerais, levando em conta seu contexto físico e propõe aos trabalhos do planejamento urbano a consideração de métodos sistêmicos de análise da paisagem que levem em conta o funcionamento da paisagem, em “Ótica geográfica orientada à análise da paisagem urbana de Poços de Caldas (MG): expressão e funcionamento”.

Juliano Hiroshi Ikeda Ishimura e Juliana Donella de Lima apresentam questões à cerca da dinâmica do espaço do Horto Florestal em Pouso Alegre, MG, em função de sua criação, transformações e usos, que têm estreita relação com o ideário de “preservação e conscientização ambiental”, no texto “Parque Zoobotânico de Pouso Alegre (MG): cultura, educação e lazer”.

A cidade de Parintins, no Amazonas, é o foco do estudo de Estevan Bartoli, em “Morfologia urbana da cidade de Parintins (AM): espaços periurbanos, cidade difusa e loteamentos recentes”. O autor, identificando elementos e processos que influenciaram na constituição da cidade, adentra no terreno da morfologia urbana para refletir sobre os elementos que corroboram para a fragmentação e alteração da paisagem.

Em “Processos históricos de expansão urbana na região sul da cidade de Pouso Alegre (MG)”, Diego Garcia de Carvalho e Alexandre Carvalho de Andrade, através do levantamento e análise de fontes históricas, trabalhos de campo e produtos cartográficos, realizam um cuidadoso estudo sobre o processo histórico de ocupação urbana na região Sul da cidade de Pouso Alegre, MG, que em muito contribui para ao entendimento da forma como se estruturou aquela região da cidade.

Tendo como referencial teórico a Análise de Discurso, Greciely Cristina da Costa propõe a compreensão dos processos pelos quais os sujeitos, na relação com o espaço político-simbólico, são afetados nos seus modos de individuação, pelo efeito de metominização que consolida o estereótipo de favela e favelado, no texto “Discurso, Cidade e História: metonimização entre favela e favelado e seus efeitos”.

Também através da Análise de Discurso, André Silva Barbosa busca explicitar a forma como o Bairro São Geraldo, da cidade de Pouso Alegre, MG, significa pelos discursos circulantes, em “O real da cidade é como um câncer para o coração urbano”. Neste texto, o autor analisa a forma como o imaginário urbano se sobrepõe ao real da cidade, construindo lugares de centro e periferia.

Tatiana da Rocha Barbosa constrói uma reflexão sobre o processo de ocupação urbana de Manaus, AM, em “Planejamento popular nas ocupações urbanas da cidade de Manaus – AM” e destaca como a apropriação das áreas urbanas são planejadas em função das expectativas de que futuras ações estatais ponham em prática o planejamento elaborado no início da ocupação.

Em “A cidade de São Paulo como palco de lutas: o teatro e suas contribuições na construção de espaços mais democráticos”, Gabriela Bortolozzo desenvolve o pensamento a respeito da capital paulista como uma cidade realizada por atores sociais preocupados com as condições de vida da população de baixa renda e segue demonstrando como isso se deu no ambiente do teatro, através de trabalhos que reúnem interesses das classes trabalhadoras.

A história do Teatro Municipal de Pouso Alegre, MG, construída através dos discursos da imprensa local, é o que nos trazem Fernando Henrique do Vale e Ana Eugênia Nunes de Andrade em “Memórias do Teatro Municipal de Pouso Alegre (MG): campo de disputas políticas (1950-1980)”. Os autores trazem, no texto, uma rica discussão sobre os conflitos e disputas da elite cultural e política local em torno deste espaço.

Sustentabilidade urbana e regional é o foco do trabalho de Helena Mendonça Farias em “Valorização de aspectos culturais e ambientais na busca da sustentabilidade urbana: Considerações sobre movimento cittá slow”, que tem no movimento “Slow Cities” a base para a análise e compreensão de dimensões da sustentabilidade, tais como a ambiental, social, econômica, territorial e política.

Juliano de Melo Gregório analisa a perda gradativa da identidade tradicional e os novos significados adquiridos pelas práticas culturais campesinas na cidade de Pouso Alegre, MG, em função das indústrias de grande porte que lá foram se instalando a partir da década de 1970, no texto “Comer, rezar e cantar: práticas e representações culturais de trabalhadores rurais de Pouso Alegre-MG”.

Em “Dinâmicas na cidade: a festa nordestina como forma de sociabilidade e resistência”, Andrea Silva Domingues e Bárbara Cristine Casallechi Fonseca Simões refletem sobre a construção do processo identitário dos nordestinos na cidade de Pouso Alegre, MG, através de relatos de histórias de vida, procurando destacar o hibridismo presente nas formas de apropriação da cultura mineira.

Elizabete Maria Espíndola e João Marcos Alexandre propõem a compreensão dos modos como se deram, no século XIX, as mudanças em cidades pequenas do interior causadas pelo grande contingente de imigrantes e processo de industrialização no país. Para isso, em “Histórias, Memórias e Resistências na construção de um espaço pelos trabalhadores rurais nas décadas de 70 e 80 na cidade de Bueno Brandão (MG)”, analisam as experiências de trabalhadores da cidade de Bueno Brandão, no sul de Minas Gerais.

O emprego das fotografias no processo de reconstrução da história da cidade e seus espaços públicos é o que nos trazem José Roberto Gonçalves e Wilker Cardoso Rodrigues, em “A fotografia como registro das transformações da paisagem urbana de Pouso Alegre (MG)”, ressaltando a importância da fotografia como fonte de informação para a pesquisa histórica.

Um excelente exemplar de como podemos pensar o espaço urbano como lugar de manifestação de vida, condição, meio e produto das relações sociais é o texto “Do planejamento urbano normativo ao estratégico. A cidade de Santos (SP) tornada mercadoria”, de Felipe Comitre e Silvia Aparecida Guarnieri Ortigoza, no qual atentam para o fato de que novas formas de governança vão conferindo ao espaço novas formas de produção, consumo e reprodução das relações sociais.

A forma como as políticas de higienização/embelezamento urbano das cidades se articulam com o ideal do progresso é a questão central de Ana Eugênia Nunes de Andrade e Juliana Coutinho Martines, em “Do apogeu à demolição: Cadeia Pública Estadual de Pouso Alegre (MG)”, texto no qual as autoras analisam o apagamento dos conflitos gerados a partir das demolições de construções que impediam o alargamento da principal avenida da cidade de Pouso Alegre, MG.

André Silva Barbosa e Alexandre Carvalho de Andrade, no texto “Problema de quem? Populações de rua em Pouso Alegre (MG)” promovem uma rica reflexão sobre a relação conflituosa entre as populações de rua, tomadas, de um lado, como aquelas compostas por sujeitos em desacordo com as práticas ideais estabelecidas, e, de outro lado, as instituições, tanto públicas quanto privadas, que trabalham no sentido de manter as relações de produção capitalistas.

Um olhar atento e minucioso em direção aos catadores de rua da cidade de Santo André, SP, procurando problematizar seus modos de existência e suas estratégias de lutas a partir da forma como são referenciados, é o que nos traz José Amilton de Souza, em “A arte de dizer e de territorializar a cidade”.

Alexandre Carvalho de Andrade e Miller Augusto Costa Araújo fazem em “Cachoeira de Minas, uma pequena cidade no contexto regional” um detalhado relato das transformações urbanas ocorridas na cidade de Cachoeira de Minas, MG, a partir dos anos 70 do século vinte, pensando espaço e sociedade como elementos que se transformam.

Em “A atuação das empresas de transporte intermunicipal de passageiros no estado de São Paulo sob uma perspectiva geográfica”, Enéas Rente Ferreira e Vinícius Polzin Druciaki partem da observação de que a constituição de territórios econômicos se dá a partir da constituição de espaços por relações de poder, onde tem especial relevância o transporte intermunicipal de passageiros. Dentro disso, propõem uma discussão sobre a relação “Estado x Empresas”, com foco nos processos de expansão da iniciativa privada.

Tendo como tema central a antiga Estação Ferroviária de Pouso Alegre, MG, Ana Eugênia Nunes de Andrade e Daniel Aparecido da Costa, partem para a compreensão dos processos de (re) significação do espaço público, no texto intitulado “Os diferentes usos da Estação Ferroviária de Pouso Alegre/MG”. Para os autores, há sempre um trabalho de reorganização dos sentidos em função dos conflitos, da ideologia e da resistência frente às práticas políticas.

Em “A cidade de Santa Rita do Sapucaí (MG) e suas relações de poder”, Diego Miranda Natali apresenta-nos, através de um extenso trabalho historiográfico, os modos como ações de caráter político/ideológico no espaço urbano determinam e legitimam o fortalecimento de uma elite numa pequena cidade.

O entrelaçamento entre a história de vida de Luzia Rennó Moreira e a construção de uma memória em torno do personagem “Sinhá Moreira”, produz em “Sinhá Moreira: feminismo e influência política em Santa Rita do Sapucaí (MG)”, de Juliano Hiroshi Ikeda Ishimura e Cleide Aparecida Alvim Martins, um belo caminho para a compreensão de como a institucionalização de personalidades se dá através dos acontecimentos e dizeres que vêm pela história.

No último texto, intitulado “Conta dentro de seus muros 69 fogos, e no seu districto para mais de 540 fogos: a construção de uma memória sobre a cidade de Conceição dos Ouros (MG)”, Viviane Tamiris Pereira e Elizabete Maria Espindola dissertam sobre a história da cidade de Conceição dos Ouros, MG, tendo como referência a historia da família Motta Paes que, pela análise das autoras, corrobora para o processo de construção de referenciais identitários para a cidade.

O percurso de leitura permitido por todas as reflexões sobre a cidade e o espaço público aqui apresentadas e que passam por diferentes campos teóricos, certamente possibilita ao leitor um exame de como podemos compreender os modos de constituição e legitimação dos ambientes citadinos. Para mim, como pesquisador interessado também nos processos pelos quais se estruturam discursos sobre a cidade e os sujeitos que nelas se relacionam, considero um excelente trabalho de organização que em muito poderá auxiliar interessados e pesquisadores de diferentes áreas, sobretudo aqueles que procuram compreender as condições materiais de produção dos ambientes nos quais vivemos.

Prof. Guilherme Carrozza

Univás