terça-feira, 15 de maio de 2012

D. João VI, ser ou não ser: a perspectiva do cinema em sala de aula

Talita Barreto de Oliveira
  
Nos debates por novas abordagens sobre o ensino de história podemos citar o cinema como uma nova tecnologia a ser trabalhada em sala de aula. Um aspecto importante a ser considerado é que ao fazer um filme comercial, o diretor não está fazendo um filme histórico, está baseado em um ponto da história, mas apresenta outros aspectos que tornariam o filme atrativo ao público.

 Alguns cuidados com o planejamento da apresentação deve ser levado em consideração à carga cultural e psicológica do aluno, deve antes de apresentar o filme:

“Propor leituras mais ambiciosas além de puro lazer, fazendo a ponte entre emoção e razão de forma mais direcionada, incentivando o aluno a se tornar um espectador mais exigente e critico, propondo relações de conteúdo/linguagem do filme com o conteúdo escolar.

Compreendendo que o professor que utiliza o filme em sala de aula deve pensar na abordagem, para isso, é importante pensar a metodologia, no livro Marcos Napolitano aponta duas possibilidades, utilizarem o filme inteiro ou apenas algumas partes que seriam exploradas. Qualquer uma das possibilidades escolhida pelo professor deve ser pensada para que esse instrumento pedagógico não reproduza o tão criticado método tradicional de ensino. [1]

Na análise do filme apresentada neste trabalho optamos por utilizar a metodologia dialética, na perspectiva em será apresentado aspectos opostos do mesmo personagem, D.João, e com isso os alunos serão estimulados a formularem opiniões próprias.

“A análise, ou seja, a decomposição dos elementos faz-se pelo ”pró e o contra, o sim e o não”, e as contradições fornecem a possibilidade de perceber não apenas os múltiplos aspectos, mas também os aspectos imutáveis e antagônicos”. [2]
           
Ao elaborar a atividade, o professor deve pensar na faixa etária dos alunos e assim deve começar a abrir “o olhar” dos alunos para os aspectos que depois serão discutidos em sala de aula, para isso, poderá distribuir um roteiro prévio do filme, com questões objetivas e solicitar um relatório simples das atividades. [3]

No conteúdo de História do Brasil, podemos apresentar a “Vinda da Família Real para o Brasil”, utilizando o filme; “Carlota Joaquina, a princesa do Brazil”, da diretora Carla Camurati, analisaremos como a imagem de D. João é apresentada, como um príncipe “covarde e guloso”.

Analisaremos alguns aspectos apresentados, utilizando a metodologia acima citada, a começar pela parte em que o narrador da história começa apresentando a corte portuguesa, extremamente religiosa, e estava sendo abatida pela doença do rei D. Pedro III e de seu filho o herdeiro do trono, D. José, aqui é importante ressaltar que apenas o filho mais velho que seria o herdeiro do trono recebe educação especial, que era preparado para ser rei. Nesta perspectiva, D. João mesmo sendo da família real, recebeu educação sim, mas não direcionada para administrar um reino e suas colônias.

Ao se descobrir como o regente do reino de Portugal, D. João é apresentado no filme na cena desesperado, como um covarde, mas se considerarmos que ele não estava preparado para assumir tantas responsabilidades, quem não ficaria desesperado?

Ao focalizarmos nosso objetivo que é a vinda da família real para o Brasil, é inevitável a pergunta: por que vir para o Brasil?

A partir desta questão temos que analisar que D. João estava entre a ameaça de Napoleão de invadir Portugal e a ameaça da Inglaterra de bombardear a capital portuguesa, como explica Laurentino Gomes em seu livro 1808 [4].

Como Portugal já era um reino em decadência, e dependia financeiramente da Inglaterra, D. João mesmo com fama de covarde e fujão, não teve outra escolha aceitou a proposta da Inglaterra.

No filme há uma cena em que um lorde inglês tenta convencer D. João, a “aceitar a ajuda” dos ingleses, esse lorde foi mandado para exercer pressão em D. João, pois todos desqualificavam sua conduta política, pois fica evidente no filme que a forma de fazer política e resolver os problemas do seu reinado, estava fora dos padrões de conduta política, considerada culta para a época. E com isso garantir os que os privilégios e interesses da Inglaterra continuariam.

A imagem caricaturada de D. João foi muito utilizada pela elite brasileira que queria a Independência do Brasil, como pela corte portuguesa que exigia o retorno de D. João, não para governar, mas interessados apenas nos lucros que teriam se o Brasil deixasse de ser sede do governo e voltasse à condição de colônia.

A dúvida entre ficar no Brasil ou voltar para Portugal foi muito grande, pois D. João gostava do Brasil e também sabia que se retornasse perderia muito do seu poder, ficando submetido a uma constituição, ou se acaso resolvesse ficar poderia manter seu poder absolutista aqui, mas perderia o poder total em Portugal.

Ao decidir retornar e deixar D. Pedro aqui no Brasil essa atitude foi considerada corajosa, pois sabendo das condições que encontraria em Portugal, concordou em voltar. Nesta perspectiva podemos analisar que por ter feito o que a corte portuguesa desejava foi considerado corajoso, mas quando tomava atitude e decisões que não agradavam e não eram do interesse da elite política e econômica era visto como covarde.

Entendemos que a construção da imagem de covarde, atrapalhado e que não possuía modos “civilizados” a maneira européia, era uma forma de desmerecer a pessoa D. João, nesse aspecto podemos fazer algumas considerações pertinentes.

Mesmo no final do século XIX, o uso de talheres para as refeições ainda era um costume caro, para a maioria das pessoas e mesmo para um membro da realeza, era comum o fato de comer com as mãos, principalmente coxas de galinha assadas [prato preferido de D. João], prato esse que ainda hoje é normal o uso das mãos.

Outro aspecto muito explorado na imagem de D. João é o fato de não gostar de tomar banho, nem trocar de roupas, não podemos desconsiderar que na Europa era comum o fato de não tomar banhos diários e nem trocar de roupas, por fatores de clima ou religiosos, quando chegou ao Brasil, D. João manteve esses hábitos, apesar do clima, mas devemos considerar que ainda era extremamente religioso.

Durante muito tempo queriam associar esses hábitos pessoais de D. João ao modo como ele administrava o seu reino, mascarar seus feitos políticos e econômicos, que apesar do seu jeito peculiar, consolidaram a história de Brasil e Portugal.

Nesta perspectiva cabe ao professor que utilizar o filme “Carlota Joaquina, a princesa do Brazil” em sala de aula desconstruir a imagem que D. João era medroso, inseguro e atrapalhado, ele tinha seu jeito peculiar de resolver as questões do seu reino.

Outra evidência que temos da habilidade diplomática de D. João foi o que ficou registrado no livro de memórias de Napoleão, na única linha em que se referiu a D. João: “Foi o único que me enganou” [5].
           
Referências Bibliográficas:
BITTENCOURT, Circe M. F. Ensino de Historia: Fundamentos e Métodos. São Paulo: Cortez, 2004.

GOMES, Laurentino. 1808, Como uma rainha louca, um príncipe medroso e uma corte corrupta enganaram Napoleão e mudaram a historia de Portugal e do Brasil. São Paulo: Planeta.

NAPOLITANO, Marcos. Como usar o cinema na sala de aula. São Paulo: Contexto, 2009.

Referência Cinematografia:
“Carlota Joaquina, a princesa do Brazil”. Diretora Carla Camurati. Brasil – 1990.

[1] BITTENCOURT, Circe M. F. Ensino de Historia: Fundamentos e Métodos. São Paulo: Cortez, 2004, pág. 226.
[2] Idem, pág. 231.
[3] NAPOLITANO, Marcos. Como usar o cinema na sala de aula. São Paulo: Contexto, 2009, pág. 26.
[4] GOMES, Laurentino. 1808, Como uma rainha louca, um príncipe medroso e uma corte corrupta enganaram Napoleão e mudaram a historia de Portugal e do Brasil. São Paulo: Planeta.
[5] GOMES, Laurentino. 1808, Como uma rainha louca, um príncipe medroso e uma corte corrupta enganaram Napoleão e mudaram a historia de Portugal e do Brasil. São Paulo: Planeta.


* Artigo produzido para a disciplina de Estágio Supervisionado sob a orientação da professora Ana Eugênia Nunes de Andrade.