O ensino da história tem ampliado e transformado nas últimas décadas os campos de atuação. Passou por questionamentos sobre os agentes históricos abordados no ensino da disciplina e o uso exclusivo de fontes escritas, o que levou à utilização e leitura de novos registros, como fontes constituidoras do conhecimento histórico.
Neste breve artigo pretende-se trabalhar a
literatura, uma dessas novas fontes abordadas, no contexto da reforma urbana e
a Revolta da Vacina, na cidade do Rio de Janeiro em fins do séc. XIX. Alguns
trechos da obra “O cortiço”, de Aluísio Azevedo, retrato do Rio de Janeiro às
vésperas da abolição e da proclamação da república, publicada em 1890, serão
analisadas no decorrer do estudo, para entendermos o que motivou a campanha de
Vacinação do Médico Oswaldo Cruz e a reação da população.
Em fins do séc. XIX grande parte da população
carioca era formada por ex-escravos, recém-libertos, que apesar de
juridicamente livres continuavam economicamente dependentes e por isso mesmo,
exerciam ocupações precárias e temporárias. Ainda contava com os descendentes
destes ex-escravos e um grande contingente de operários pobres.
Essa população habitava antigos casarões o período
imperial, amontoados no centro da cidade, popularmente denominados cortiços. A
precária condição sanitária das habitações em geral, fazia com que fossem
comuns epidemias com febre amarela e varíola.
“(...) como se todo o seu ideal fosse conservar
inalterável para sempre o verdadeiro tipo de estalagem fluminense, a legítima,
a legendária; aquela em que se há um samba e um rolo por noite; aquela em que
se matam homens sem a polícia descobrir os assassinos; viveiro de larvas
sensuais em que irmãos dormem misturados com irmãs na mesma lama; paraíso de
vermes; brejo de lodo quente e fumegante, donde brota a vida brutalmente, como
de uma podridão” [1].
O cortiço é visto como um santuário da sujeira, da
impunidade, da insalubridade e da promiscuidade:
“ Eram cinco horas da manhã e o cortiço acordava,
abrindo não os olhos, mas a sua infinidade de portas e janelas alinhadas. (...)
Daí a pouco, em volta das bicas era um
zunzum crescente; uma aglomeração ruinosa de machos e fêmeas. (...) O chão
inundava-se. As mulheres precisavam já prender as saias entre as coxas para não
molhar (...). As portas das latrinas não descansavam, era um abrir e fechar de
cada instante, um entrar e sair sem tréguas. Não demoravam lá dentro e vinham
amarrando as calças ou saias; as
crianças não se davam ao trabalho de lá ir, despachavam-se ali mesmo, no
capinzal dos fundos, por detrás da estalagem ou no recanto das hortas”[2].
Já no início do séc. XX, no governo do presidente
Rodrigues Alves, a cidade passou por uma transformação. “A capital da jovem
república era uma vergonha para a nação” [3],
com seus cortiços e epidemias. O presidente decidiu reurbanizar à cidade,
espelhado-a na capital francesa, Paris.
Para a tarefa deu “carta branca” ao médico e
sanitarista Oswaldo Cruz e ao prefeito da cidade e engenheiro, Francisco
Pereira Passos. O slogan do governo de
Pereira Passos “O Rio civiliza-se” mostra a busca para alcançar o ideal de
cidade para a época, e para alcançar tal civilização, a população pobre foi expulsa dos cortiços dos centros da
cidade, sob o discurso médico-sanitarista.
O cortiço era a tradução e a gênese de todos os
males da cidade, eram fermentadores de doenças. As medidas de higiene tomadas
pelo governo entravam em conflito com os proprietários desses estabelecimentos
e com toda a população, que era inflamada por ter suas casas invadidas por
funcionários da saúde pública.
O povo reagiu. Foi às ruas, exigir a não
obrigatoriedade da vacina, e conseguiu, apesar de ser violentamente abafada. Muitos
suspeitos foram mortos ou exilados na Amazônia. Outros grupos, como os
militares, aproveitaram também do clima de revolta popular para reivindicarem
suas próprias causas ideológicas.
[1] AZEVEDO,
Aluísio. O Cortiço. São Paulo: Scipione, 1995. ( 1º edição: 1890).
[2] AZEVEDO,
Aluísio. O Cortiço. São Paulo: Scipione, 1995. (1º edição: 1890).
[3]
CARVALHO, José Murilo de, in: Revista
Nossa História, edição: novembro de 2004.
* Artigo produzido para a disciplina de Estágio Supervisionado sob a orientação da professora Ana Eugênia Nunes de Andrade.
* Artigo produzido para a disciplina de Estágio Supervisionado sob a orientação da professora Ana Eugênia Nunes de Andrade.